Point Break, ou o meu guilty pleasure mais cool de todos

Vi isto vezes sem conta. Lembro-me de uma das vezes ter passado uma tarde inteira em frente à televisão a treinar os take-offs em cima de uma das pranchas do meu irmão, no chão alcatifado da sala de estar. Era capaz de ficar horas a ver as cenas de surf, facto comprovado pela fita gasta do VHS que ainda tenho guardado numa gaveta qualquer. Depois desligava a televisão e ia para a cama ler o Eça, com a mão entre a cara e a haste dos meus óculos de aros de tartaruga, para não me aleijar na almofada. Queria ser aventureira, aprender a fazer manobras arrojadas com os meus patins em linha, surfar, andar de mota, mas no final do dia acabava sempre no mesmo sítio, de livro na mão. Sonhava com o dia em que ia apanhar grandes ondas como a miúda do filme, na companhia de um pseudo-Keanu Reeves que iria conhecer por acaso e se iria apaixonar por mim. Ou com o André. O André também gostava do Eça e do Point Break tanto quanto eu, e de mim quase tanto quanto eu gostava dele, descobri anos mais tarde, muitos, numa noite de copos, quando já não interessava nada. E surfava. Dizia. Se calhar ter-me-ia ensinado a surfar, se tivesse tido coragem para lhe pedir numa das vezes em que vimos todos o filme na casa dele, depois das aulas.

Durante anos fui apenas espectadora, de filmes e amigos que entravam corajosamente dentro de água, que cavalgavam ondas, caiam e voltavam a erguer-se, sem nunca desistir. Enquanto isso, eu ficava sentada na areia, sozinha, a ler e a observá-los ao longe, nas pausas que fazia entre parágrafos. Um dia cansei-me disso, de ser apenas espectadora do que se passava à minha volta. Comprei um fato, emprestaram-me uma prancha, arranjei um instrutor australiano no youtube e esperei pacientemente que o frio passasse, que chegasse o momento. Gostava que as inúmeras vezes que assisti ao Keanu e ao Patrick a surfar, nos últimos quase 20 anos, fossem suficientes para conseguir pôr-me de pé logo das primeiras vezes, deviam ser, mas já percebi que não. Qualquer das formas sinto que devo ver isto mais uma vez, esta noite. Para treinar para a próxima manhã de sábado em que a previsão não seja de ondas de 3 metros. Ou para assaltar um banco, caso me decida por uma mudança de carreira.